Se
nossa vida é apenas um curto espetáculo e o universo apenas uma
"combinação fortuita de átomos", então por que eu deveria fazer o bem
a outrem? Por que deveria
haver misericórdia, justiça ou solidariedade? O melhor seria aproveitar as
oportunidades, cada um por si. Por que eu deveria amar meu irmão, e não cortar
sua garganta? Por que eu não deveria causar a maior das infelicidades para o
maior número de pessoas, se isto servisse meus propósitos?
Como
se sabe o que é certo e o que é errado? Meu desejo de ser feliz me impulsiona; e eu o satisfaço, porque essa é
minha natureza. Por que alguém iria reclamar?
De onde a ética deriva sua autoridade
De
onde vêm todas essas verdades acerca da vida humana, da moralidade, da alma
imortal, de Deus, acerca do amor e da atração pela idéia da bondade e, acima de
tudo, pela idéia do altruísmo?
Toda ética, toda ação e todo pensamento
humanos derivam desta única idéia, a do altruísmo. Por que deveríamos ser
altruístas? Onde estão a necessidade, a força, o poder
do altruísmo? Pedir a alguém que seja altruísta pode ser bom como poesia, mas
poesia não é razão.
O fato de alguém me dizer para ser altruísta não significa nada para mim. De onde aqueles que pregaram o altruísmo, e o ensinaram à raça humana, tomaram essa idéia? Sabemos que ela não é instintiva; os animais, que possuem instinto, não a conhecem.
O
atman é o fundamento de todas as coisas
Enquanto
os filósofos da Vedanta buscavam solucionar essa questão, descobriram as bases
da ética. Embora todas as
religiões ensinem preceitos éticos, tais como "Não matar, não ferir; amar
o próximo como a si mesmo", etc., nenhuma delas dá a razão para tal.
Por que eu não deveria ferir meu vizinho? Para essa pergunta não havia nenhuma
resposta satisfatória ou conclusiva em vista, até que ela surgisse das
especulações metafísicas dos hindus.
Os
hindus dizem que o atman é absoluto e permeia tudo, sendo assim infinito. Não
pode haver dois infinitos, pois eles se limitariam um ao outro e se tornariam
finitos. Cada alma individual" é, também, uma
parte da Alma Universal. Assim, ao ferir seu próximo, o indivíduo fere a si
próprio. Essa é a verdade metafísica fundamental subjacente a todos os códigos
de ética.
O
trabalho da ética tem sido, e será, não a destruição
da variedade, mas o reconhecimento da unidade, a despeito de todas as
variações; o reconhecimento
do Deus interior, a despeito de tudo que nos amedronta; o reconhecimento
daquela força infinita como propriedade de todos, a despeito da aparente fraqueza;
e o reconhecimento da pureza eterna, infinita e essencial da alma, a despeito
de tudo que apareça em contrário na superfície.
Reflexões Sobre a Crítica
Quando
criticamos alguém, ingenuamente tomamos um aspecto brilhante de nós mesmos,
como se ele representasse a totalidade de nossa vida, e o comparamos com o lado
escuro da vida do outro.
É
até provável que boa parte de nossas críticas seja justa e correta. Mas é
possível também que algum dia venhamos a perceber que elas
se originam do fato de não gostarmos de certas pessoas.
O
mundo às vezes precisa de críticas, e algumas vezes precisa de críticas
bastante duras. Mas as críticas devem ser momentâneas, pois o trabalho para a
eternidade é o trabalho do progresso e da construção e não o da critica e da
destruição...
Saibamos
que tudo o que é negativo, tudo o que é destrutivo, tudo o que é mera crítica,
está fadado a desaparecer. O
positivo, o afirmativo e o construtivo é que permanecerão para sempre.
Você
não deve criticar os outros. Você deve criticar-se a si mesmo. Aquele que não
está na escuridão não vê escuridão nos outros. O que você tem dentro de si é
aquilo que você vê nos outros... Reflita bem sobre
essa idéia.
Lembre-se
de que os maus são sempre os mesmos em todo o mundo. O ladrão e o assassino são
os mesmos na Ásia, na Europa e na América. Eles formam por si só uma nação. É
apenas no bom, no puro e no forte que se encontra a variedade.
Todos
os avanços que foram realmente conquistados no mundo foram conquistados pelo
amor.
A
crítica, por si só, não é capaz de fazer nenhum bem, ainda que venha sendo
praticada por milhares de anos. Estenda a sua ajuda a todos aqueles que buscam
o caminho correto. Quando, ao contrário, perceber que estão agindo de forma
incorreta, mostre seus erros com delicadeza... O amor nunca denuncia. Somente a
ambição o faz.
Sobre a Raiva
"Ao
pensar nos objetos, o homem desenvolve o apego; do apego surge o desejo; e do
desejo frustrado nasce a raiva..."
Toda
a maldade da natureza humana tem origem na raiva, que excita os nervos,
transformando os seres humanos em feras.
As boas obras são freqüentem ente prejudicadas pelas toneladas de raiva e ódio despejadas no mundo.
A
pessoa que fica irada nunca chega a realizar um grande trabalho. Aquele que se
entrega à raiva, ao ódio ou a alguma outra paixão não consegue trabalhar; não
faz senão dilacerar-se, sem nada produzir. É a mente calma, inclinada ao perdão, equânime e equilibrada que se
torna verdadeiramente produtiva.
As
vantagens do autocontrole
Cada vez que nós suprimimos um sentimento de ódio ou de raiva, conseguimos armazenar a nosso favor uma grande quantidade de boa energia, que será convertida em poderes mais elevados. Cada onda de paixão que conseguimos dominar é um crédito a nosso favor.
Portanto, é uma boa política não retribuir a raiva com a raiva -conforme toda verdadeira moral -, pois a raiva significa perda de energia para aquele que a sente. Por isso você não deveria permitir à sua mente associar-se a esses estados de
raiva e ódio,
O que faz a Alma associar-se a tudo isso? Diferentes ondas mentais se levantam e cobrem a Alma; passamos então a ver apenas um pequeno reflexo da Alma através dessas ondas.
Se
for uma onda de raiva, vemos a Alma enraivecida: "Eu estou com
raiva", diz alguém. Se a onda é de amor, nós nos vemos refletidos nessa
onda... Uma pessoa me diz algo muito áspero e eu começo a esquentar-me; e essa
pessoa continua até que eu me sinta totalmente enraivecido e esqueça
de mim mesmo, identificando-me com a raiva.
Quando ela começou a me provocar, eu pensei: 'Vou ficar com raiva". Até aquele momento a raiva era uma coisa e
eu era outra; mas quando fiquei enraivecido, eu era a raiva.
É
em sua própria raiz, em suas formas sutis, que esses sentimentos devem ser
controlados; e a meditação é um dos grandes meios para controlar o surgimento
dessas ondas, Pela meditação você pode fazer a mente dominá-las; e se você
continuar praticando a meditação por dias, meses e anos, até que ela se torne
um hábito, até que ela aconteça sem você querer, a raiva e o ódio serão
controlados e derrotados.
Swami
Vivekananda (1863-1902)